Não tire da minha mão esse copo*

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fachada do bar Valentino em Londrina

“se quiser fazer algo por mim
quando me encontrar num botequim
pague… pague uma dose pra mim”

(Bêbados Habilidosos)

Tortinho, Las Vegas, Bruta Flor, Bola 7, Bate Bola. Kotovelu’s, Jota,  Pé na Cova, Jaime, Café em pé, Amarelinho, Paraíso Flutuante, Gato Preto, Valentino. Valadares, Léo, Praça Roosevelt, Mercearia, Filial, Salve Jorge, PPP, Cacilda, Gruta, Amistosas.
Foram muitos os meus lares. Nutro o  afago nos cotovelos deixado pelos ásperos balcões. Carinho. Todo bar me deixa um calo na memória. Chamar o dono pelo nome, rimar as cicatrizes com as rachaduras dos copos e dos azulejos. Rir, chorar, exagerar, se estapafurdiar. Entoar Ângela Ro Ro, Cazuza. Tom Waits, Leonard Cohen, PJ Harvey. Cartola. Todos cabem numa mesa de bar. Além de comer coisinhas, caldinhos, escondidinhos, delicadezas calóricas, torresmos, amendoins, salames, queijinhos… Pouca coisa se compara ao contentamento de engordar uma jukebox no Bexiga, furar a noite com um taco de bilhar em punho e levar pra casa um copo americano vazio dentro de uma alma contente.
Nunca fui uma criança de boteco. Mamãe não era de beber, meu pai sim, mas esse estava longe, num bar qualquer da capital. Eu, no interior, me apaixonei sozinha pelos bares, investiguei a textura das paredes e a brisa fugitiva de uma geladeira semi-aberta.
Penso que os poemas largados nos guardanapos são preciosidades voláteis, borboleteiam-se. Injúrias e afagos deixados na porta de um sanitário perpetuam-se. E os bêbados são saudáveis marinheiros de um barco eternamente à deriva. O que posso dizer de mim, é que eu bebo a vida numa mesa de bar, eu bebo amigos e poesias, canções extremamente tristes e algum uísque.
Por isso, não tire da minha mão esse copo, não tire dos meus braços, e da minha nuca, e do meu corpo todo, esse anseio por mais um copo de sereno, por mais um beijo de boa noite, por esse pequeno naco de esperança que insiste em despontar a cada nova manhã celebrada com amigos numa mesa de bar.

E por fim, deixo aqui um Poema bonitinho sobre cervejas:

A loira brejeira
Espreita-me, esquiva
Pelo vão da geladeira.

*trecho de canção gravada por Ângela Ro Ro

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crônica publicada originalmente no Boteco do Tulípio em 2009.

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